Terça-feira, Novembro 22, 2005


Se tiver de partir não digo adeus
Se tiver de o dizer não vou olhar
Se meus olhos se prenderem aos teus
Não mais direi adeus, irei ficar!

Se tiver de te deixar… ai meu Deus,
Fá-lo-ei pelas sombras do luar
Tornando todos os escuros meus
Anoitecendo, ai meu Deus, sem cessar

Se tiver de partir, irei partir
Em sete ondas sem tocar a areia
Recuadas na força do sentir

Sem Deus no adeus cerrado na traqueia
Serei penumbra do negro a fluir
Se tiver de partir p’la lua cheia...


Foto: Jan Saudek

Louco


Escreve durante horas a fio...
As palavras? Busca-as nos outros.
Mas são suas!
As suas palavras que busca nos outros!
Prefere escrever na dor...
-“ Na dor, os sentimentos apuram-se”, diz.
Na dor dos outros!
A sua dor? Já não a sente!...
Dela apenas guarda a lembrança.
Então... vive a dor dos outros,
Provoca-a até!
É louco!
Do sangue faz tinta,
“A tinta da vida”, como lhe chama!
E escreve palavras de sangue...
Com o sangue dos outros!
Quando escreve tira-lhes a dor, promete!
Também a sua dor se esgotou no papel
Escrito com a sua tinta da vida.
Esgotou todo o seu sangue
E as suas feridas abertas deitam vazios.
Sempre que escreve sobre si o papel fica branco!
Não sabe se lhe falta tinta ou vida,
Ou ambas as coisas!
É louco!
Escreve então as suas histórias...
Com a história dos outros.
Abre-lhes as feridas latentes
Com a pena espada dos sentidos
E eles dão-lhe a tinta da vida!
E ele escreve...
Horas a fio,
…Dos outros.
É louco!
Talvez um dia a dor do mundo
Fique toda no seu papel
E depois tenha de escrever em branco
Na dor que já só ele recorde...
Como um frasco de perfume
Vazio
Que continua a deitar cheiro…
É louco!



Foto:Jan Saudek

Segunda-feira, Novembro 21, 2005

Flor do amor


Deixo-me apenas abrir em vã flor
No tempo exacto para em mim beberes
Todo o meu mel que para ti quiseres
E morro ao sol… seco, a seguir, sem dor

Pétala a pétala me fecho à cor:
(como se os beijos que já me não deres
Me amortalhassem no capuz que queres
Que eu vista, vivo, esquecendo o amor).

Deixo-me abrir para depois fechado
Saber a teus lábios em mim lambidos
E germinar nos mil sabores idos

Mais vale viver um triste amor cerrado
Que não viver por este amor tomado.
É por amor que guio os meus sentidos…


Foto: Arnt Sneve

Domingo, Novembro 20, 2005

Renúncia



Vou renunciar…
Vou renunciar a todas as palavras que te disse
E que nunca ouviste
Vou renunciar…
Vou renunciar a todas as palavras que me ouviste
Mas nunca deste importância.
Vou renunciar…
Vou renunciar a todas as palavras que me apeteceu gritar
Mas que nunca tive coragem… coragem, sequer, de sussurrar.
Vou renunciar…
Vou renunciar a todas as palavras que me cresceram no peito
Mas nunca tiveram força para passar da garganta.
Vou renunciar…
Vou renunciar a todas as palavras que me escorreram na face
E que ninguém… ninguém limpou.
Vou renunciar…
E vou renunciar a todas as renúncias que nunca fiz
Recriar-me numa lua cheia plena de sombras ,
Sombras vivas em folhagens imparáveis
Tocadas pelas brisas dos sentidos e…
Trocadas pelos sentidos das brisas, iluminados.
E ser mais eu!
Um eu irrenunciável!
Capaz de soltar em cada palavra presente
A dádiva perdida em cada renúncia passada.
Capaz de agarrar em cada palavra de timidez
E construir um verso vitorioso.
Capaz de agarrar em cada verso cicatrizado
E torná-lo um poema em sangue,
Que grite ao mundo do papel branco
A cor…
Todas as cores
(mesmo a cor da renúncia, que é cinza:
A cinza de cigarros mal apagados
Abandonados em cinzeiros negros
Cheios de beatas espremidas…)
O papel branco,
Abandonado da cor uniforme e primitiva,
Toma o cinza
(O cinza abandonado da cor da renúncia)
E acende-se num primeiro cigarro
Tomando a cor do fogo aprisionado
Que arde em espaços de loucura
Liberta num eu são…
E depois renuncio!
Renuncio a todos os momentos de renúncia…
E à própria renuncia transformadora…
E solto-me!
Solto-me nas palavras reinventadas
(que mais não são do que as mesmas letras,
As letras em que sempre me omiti
No medo da pontuação e do tom)
E deixo-as voar
...Sim, voar!
As palavras têm asas,
Asas que se impulsionam para a frente,
Cheias da força rasgada num peito que quer mais ar…
E que tantas vezes se sufocam
… Se sufocam nas rajadas de vento não favorável
Que as esmaga na garganta,
…e das quais apenas ouvimos um breve soluço…
Não haverá mais palavras esmagadas !
Nem soluços !
Nem letras omitidas incapazes !
Nem palavras sem tom !
Nem renúncias !
…Nem renúncias de renúncias!...
Haverá palavras soltas,
Mesmo que imprudentes,
Capazes de respirar
E até fabricar ar.
Palavras… mesmo gestuais
Porque mais nada será motivo de silêncio,
Nem o vazio…
Nem este vazio de palavras mal articuladas
Prenhes de sentidos difusos
Que buscam um único sentido:
O sentido de uma vida.
Tantas vezes ignorado...
Por outras vidas sem sentido,
Ou por sentidos de outras vidas...
E encontro-me, por fim,
Na dobragem de uma esquina,
Reflexo do que fui e do que poderia ter sido..
Esquecido
Que sou!
Que sou palavras… mesmo gestuais!
Porque mais nada será motivo de silêncio,
Nem o vazio…



Foto: jose marafona

Sexta-feira, Novembro 18, 2005

Rosas escritas


Eu dava-lhe rosas, ela dava palavras.
Escrevia-as nas pétalas
Com o olhar…
Um olhar que lhes tomava toda a cor
Em linhas sucessivas.
Às vezes enganava-se
E apagava tudo com um beijo.
E eu esquecia o engano.
Não mais me lembrava
Da palavra rasurada,
Apagada com um beijo.
Mas o beijo…
Ainda lembro cada um deles.
Eram vermelhos
...Como as rosas.



Foto: Silverdebster

Quinta-feira, Novembro 17, 2005

Barca d'águas...


Eu sabia que partirias
Estava escrito na neblina em que chegaste!
Sempre associei o nevoeiro a desencontros.
A gente perdida,
Em reinos perdidos,
Que não regressam.
Contigo foi diferente
Chegaste nele
Quem sabe alguém te poderia ter perdido
E, numa história ao contrário,
Eu te encontrava…
Nunca me iludi
A tua chegada anunciava a tua partida,
No mesmo nevoeiro…
Na mesma invisibilidade em que chegaras
E eu…
E eu desenhando castelos com conchas na praia
Seria apenas mais uma concha
Abandonado por uma onda
Ou uma maré
E tu…
E tu, barco, partias no nevoeiro
Procurando, noutras praias de névoa,
Outra concha abandonada
Em castelos desenhada
Ou nada!


Foto: Zacarias Pereira Da Mata

Sensualidades

Sensual, és espera, fácil seres
Ânsia na luz que nem sequer se apaga
Nos negros trajes que o teu corpo traga
Bebendo o mel que brota em teus poderes

Nos saltos altos cresces sem cresceres
Aos canos altos sobra o que te afaga
Meu nu olhar lambe a pele que esmaga
Minha inocência moura em véus prazeres

Subo o olhar e estou subindo a roupa
Deixo-te nua à mão de minha boca
Rasgo-te... só nos vãos do meu desejo

Sensual abres-te na roupa pouca
Que sobra à força que por ti latejo.
És sensual, não é falta de pejo…

Foto: Anton Langue

Quarta-feira, Novembro 16, 2005

Suave sobre o mar



Suave sobre os mares já sem marés
Espuma sem ondas, onde distante
De negras bandeiras vens triunfante
Num rosto calmo que esconde quem és

É negra a hora que marca o convés
Esquife das sombras que, num instante,
Lembram que apenas fui, … inquietante,
E nada mais há! Nem eu a teus pés…

E já nem no reflexo deste mar
Me consigo ver p’la ultima vez
Amortalhado de negro… talvez

Se ao menos me pudesse lembrar
De que fui já luz na espuma do mar
Ou raio de sol do sol que me fez…


Foto: Clive Arrowsmith

Sem som



Estou nas cordas que te prendem,
Na nota solta, talvez aguda…
Soo ao dó maior
Da maior escala perdida,
Arpejos que me transcendem…
Ou sou só nota muda
De lá, dos lados da dor
Ausente da pauta da vida…


Foto: Frederick Potter

Infinitos



Hoje peguei em todo o carinho
Que esta noite me trouxeste
Juntei-lhe os beijos que me deste
A saliva, a lua, as sombras do caminho
E mil odores de incenso que cheirei
E mil guitarras na voz dum fado
E todas as cores do pecado
Que num momento imaginei.
Adicionei o brilho do teu olhar,
Colei os teus lábios nos meus ,
Procurei meu infinito nos céus
Para que me pudesse ajudar.
E nesse infinito que não vi
Declamei poesia aos gritos
E lembrei-me então de ti
E vi todos meus infinitos...
Polvilhei-os com pétalas de rosas
Numa delicadeza extrema
De tua boca tirei prosas
E fiz-te este poema.

Foto: Jose Marafona

Terça-feira, Novembro 15, 2005

Barca d'asas


Em tudo o que me dás eu quero mais de ti
Em tudo o que tu és eu quero um tu maior
Um tu que no peito encerre todo o amor
E que o abra nas promessas que perdi

Se um dia houve promessas que não cumpri
Não venha castigar-me agora toda a dor
Seja neblina breve e leve sem clamor
Esfumada em silêncios que já vivi

Quero-te maior que os silêncios e que a voz
E maior que todas as promessas quebradas
Maior que a vida que venha a viver de nós

Grande assim como o luar de noites geladas
Serás céu e mar e meu asilo dos sós
E eu uma barca d’asas sempre acompanhada.

Foto:Zacarias Pereira Da Mata

Impasse



Os nossos olhos não mais se cruzarão
Todos os olhares já são esgotados
Nos vazios dos olhos vagos cansados,
Cerrados na acompanhada solidão

O teu olhar prende-se no infinito
Voa longe tomado por tua ausência,
Foge pelas vidraças de reticência
Das palavras que nem podias ter dito.

E eu, sem infinito, olho o chão
Abandono-me em tábuas corridas
Linhas paralelas tão desconstruídas
Que nem se tocam pela afeição

Há muito nossos olhares são esquecidos
Quando os encontravas todo eu fugia
Quando eu os procurava não te via
E quando inevitáveis… foram perdidos.

Teus olhos de infinito, só nele vagueiam
E só as vidraças os impedem de fugir
E os meus... só o chão querem abrir
Nele ignorando o que os teus anseiam…

E também meus olhos fogem ao grilhão
Pelas transparências das mesmas janelas
Procurando o olhar que espreita delas
E que tu finges não ver, olhando o chão…

Foto:Steven Ian

Segunda-feira, Novembro 14, 2005

Sorrisos




O teu sorriso soou-me a eternidade...
Talvez demasiado sincero…
E eu não estava habituado a sorrisos sinceros.
Talvez demasiado real…
E, realmente, os sorrisos reais haviam-me abandonado.
Talvez demasiado autêntico…
E até já eu havia perdido a autenticidade.
Mas o teu sorriso impôs-se,
Conquistou um espaço sagrado
E devolveu-me a inocência dos sorrisos.
Aquelas gargalhadas infantis
Que ecoam nas nossas memórias
E que o rigor da maturidade nos impede de repetir.
Mas o teu sorriso não,
Não obedece a rigores de forma
Ou de preceito,
Nem se sujeita a regras
Que ele não inventa.
É gratuito,
Puramente… gratuito
…E puro.

Foto:Lillian Bassman

Saudade!




E falavas de saudade…
Quando me lembrei então
Que saudade é um apeadeiro
Que nem chega a ser estação
Entre amor e solidão

Saudade é um adeus fugaz
Que depois de ir embora
Fica a acenar na eternidade.
E no sopro desse acenar
Vivem as brisas da saudade…

E falavas de saudade…
Palavras que me abriram o peito
Fechado por outra brisa,
Soprada, não lembro por quem,
Que só a solidão eterniza…

Foto:Duane Michals

Hoje tenho asas


Hoje tenho asas e poderia voar
Tocar as nuvens (talvez por cima)
Desenhar uma nova estrela no céu
(talvez com mais pontas)
Mais brilhante que todas as outras.
Seria a minha estrela
Ou a tua estrela…
Se quisesses poderia ser até a nossa estrela…
Daquelas estrelas que brilham mais no frio
Porque quando temos calor
Nem olhamos o céu…
Olhamos apenas o brilho dos nossos olhos
E as estrelas (mesmo a nossa) ficam ofuscadas,
Retraem o brilho
E limitam-se a estar lá,
Pontos de referência,
Para quem se perde
Ou teima em se não encontrar.
Mas eu hoje poderia voar
Tocar as nuvens (talvez por cima)
E desenhar o teu nome
Na nossa estrela.

Foto: Lev Borodulin

Domingo, Novembro 13, 2005

Nada


Arrastavas-te nos passos,
A luz do futuro não te era guia,
Somente perseguia.
Nada mais se impunha
A não ser a desistência
E nem ela te moveu.
Qualquer caminho era demasiado penoso
Para trilhar só.
Parado, preferias ser ultrapassado
Por tudo,
Até pelas recordações…
E como elas te abanavam nas ultrapassagens!
E só as adivinhavas
Depois de prostrado na terra,
Embrenhado em aromas de solo
Mal cultivado,
Que jamais floriria...
Nem o frio da chuva
Que se desprendia do teu queixo,
Fervido em lágrimas de fogo,
Te fazia vir à realidade.
Nada mais em ti emanava calor.
Até as lágrimas arrefeceram.
Numa manhã qualquer
Que te substituiu o choro...
Por gotas de orvalho
(tão gelado, por vezes).
Deixaste-te deixar de ser
E preferias assim ficar: abandonado!
Um dia, numa queda qualquer,
A lanterna que te ilumina os passos dados
Há-de cair-te à frente…

Foto: Duane-Michal

Sábado, Novembro 12, 2005

Espera





Esperou…
Tanta gente passou ao lado
E nem ergueu os olhos,
A multidão vinha vazia
Como as suas mãos,
Que escondeu

Esperou…
Soube sempre que nessa espera
Estava tudo o que lhe restava
E que a espera seria vazia
Como as suas mãos,
Que escondeu

Esperou…
Sem nunca fitar a porta
Sem levantar os olhos do chão
Ninguém viria na multidão
Pegar nas suas mãos vazias
Que escondeu…

Esperou…
Emparedada na invisibilidade
Mas não podia deixar de esperar
Ou a sua alma ficaria vazia
Como as suas mãos vazias
Que escondeu…

Esperou…
E às vezes ainda espera!
Nas horas vazias
Pela multidão vazia
Com as mãos vazias
Que ninguém encontrou…


Agradecendo uma fotografia "oferecida" por Levemente erótico

Foto:Robert Doisneau

Sexta-feira, Novembro 11, 2005

Chegas-me





Chegas-me no luar de noites calmas
E, talvez por ser o luar primeiro,
As calmas noites tremem-nos as almas,
As forças faltaram o dia inteiro.

Sempre quis uma chegada sem palmas
E que elas soassem no amor guerreiro
Pela vida toda, conquistas alvas,
Só com o sangue de amor verdadeiro

É chegada a hora, chegado o dia
São chegados os lábios e a boca
Tudo impulsionado pelo desejo

Talvez, … o frio, derreta a noite fria
No abraço que sonhou minh’alma louca
Seguindo… o calor dum eterno beijo.

Foto:Robert Doisneau

Quinta-feira, Novembro 10, 2005

Meu reino de fantasia…Ou talvez não...


Perdi-me na noite escura
Ouvi, no breu, soluçar,
Soluços de amargura
Entre as sombras do luar.
Toda a floresta gemia
Solidária com a dor
Raios de lua na noite fria
Raios ténues sem calor
E a dor tudo envolvia
Na luz breve do rumor
Quem chorava eu não via
No luar que se extinguia
Prisioneiro do amor

Eis então que amanheceu
E o choro foi-se extinguindo
E outro lhe sucedeu
Um no outro se confundindo
E queria saber quem chorava
O novo choro, as mesmas penas
Na luz da madrugada
Na luz feita de dor apenas…
Um choro que ía aumentando
Enquanto o outro se extinguia
Um no outro se tocando
Naquela manhã tão fria
Perguntei a um rouxinol
- Rouxinol, quem chora?
Calou-se no despontar do sol.
E, dos choros da aurora,
Ficou apenas um
Que vinha de todo o lado
Sem ser de lugar algum,
Aquele choro magoado!

E durante o dia chorou
E o céu chorou com ele,
Lágrimas do azul brotou
Todo o azul daquele.
O céu ficou cinzento
E todo o cinzento do mar
Ficou azul no momento
Que o céu parou de chorar.
Perguntei ao mar e ao céu
De quem era a agonia
O céu não respondeu
O mar secou uma onda fria.
Uma gaivota que passou
Ao ouvir o soluçar
Com ele também chorou
Afogando-se no mar.


O horizonte ficou vermelho
Assumiu cores de paixão
O choro ficou em espelho
Pois outro surgia, então
E no momento do ocaso,
Quando o dia perde o calor,
Ouviu-se sem algum atraso
Lancinante grito de dor.
E parado o tempo num segundo
Novo grito a ecoar,
Desabando sobre o mundo
O primeiro soluçar.
Uma estrela despontou
E ao ouvir tal dor gemida
Com ela também chorou
E apagou-se de seguida…

Outras estrelas foram surgindo
Chorando como a primeira
Na escuridão se extinguindo,
Apagando a noite inteira…
Só um mocho parecia não chorar
Ante o choro da eternidade
Que não é um, mas um par
De choros duma só saudade
Perguntei-lhe quem chorava
Por todas as noites frias
E quem o choro perpetrava
Nas horas de todos os dias.
Fez um ar inteligente
Assumiu-se narrador
Duma história comovente
Nascida de um grande amor

Quem chora é a Lua,
Espalhando em todo o luar,
Uma dor que não é só sua
Pela terra, céu e mar
Todo o soluçar é de amor,
Espraiando, em lençol,
Lágrimas num luar de dor,
Lágrimas da lua e do sol.
Vivem um amor tão forte,
Em constante despedida
E nem o tempo nem a morte
Apagam a paixão erguida.
Fieis a um amor ausente
Só em dois momentos sem atraso
Se beijam de repente
Ao amanhecer e no ocaso.
Depois gritam a partida
Chorando toda a dor
Lágrimas de toda a vida
Lágrimas dum só amor


Finalmente eu entendia
O choro que escutei
E ao nascer o novo dia
Olhei o céu e chorei…

- Espera mais um pouco,
Que a história não acabou
Nem a dor tampouco,
Neste amor se esgotou…
O choro que tens ouvido…
Nunca o ouviras antes....
Está mais forte e mais sentido,
Eles não choram como amantes.
- Porque choram tão forte , então?
Tal choro… que eu nunca ouvia?
Se não é deles toda a dor…
Porque choram tanta agonia?
-Calma, disse fitando o luar,
Deixando uma lágrima cair,
Começando a soluçar.
-Não te posso omitir…
Eles choram por uma dor igual,
Mas que ainda é maior,
Alguém que, vivo, morre afinal
Por não acreditar no amor.
Baixei o olhar no chão..
(Nem sei o que senti…!!!)
Quando o mocho disse, então
- Eles estão a chorar por ti.


Dedico este poema a todos os que passam em silêncio por este blog. Eu sinto-vos desse lado
...

Foto: Andrew Davidhazy

Quarta-feira, Novembro 09, 2005

Epitáfio




Faça-se em mim a maior torre de martírio:
Fundada nos alicerces do meu peito,
Sobre as ruínas sem glória que o despedaçam,
Acessível por pontes de solidão
Sobre o vácuo fosso da ausência
Onde assentem os pilares de ilusão
Que a suportam
E que a fazem tombar
Nos sísmicos abalos de minha dor
Sobre os destroços do meu próprio ser
Outrora edifícios de um outro eu
Que já não existe
(Sequer quer existir)
Mas ensombra
Como um crucifixo bolorento
Que não faz milagres,
Mas condena o pecado
E aplica penas
(sem outro contraditório
Que não seja o da consciência)
Repetitivas,
Quase indecifráveis
Fórmulas ocas de absolvição…

Faça-se sobre mim uma torre de penas
Fundada nos alicerces do pecado-Amor
Censurado por quem lhe foge
Por quem o desconhece
(ou não…)
E assim comete maior pecado
Que é não usar o corpo
Em todos os mistérios
Do rito da criação.
Faça-se em mim a torre de um só pecado
A torre do pecado-Amor
Com janelas-nesgas de ilusão
E podem contruir claustros de dor
Frios e escuros do pior material.
Com sinos que dobrem finados
E angústias
E que num qualquer lugar
Abram uma cova
E me sepultem nela
Como fundação
De toda a construção
E a cubram com os restos
Da minha existência e meus pecados
E um breve epitáfio
Que diga:
“Aqui jaz aquele que amou”


FOTO:Cedar Mesa

Nome



Enche-me de palavras a boca
Amarra-me pelo meu nome
E geme-o,
Geme-o como se fosse ele,
E não eu,
A encher-te de prazer.
E grita-o,
Grita-o mesmo nos silêncios
Em que entro em ti
E ficas sem interjeições.
E lembra-o,
Lembra-o quando eu sair de ti,
Levando na boca tuas palavras
E o meu nome.
E chora-o,
Chora-o quando eu não voltar
E meus passos deixarem de soar
Nos ouvidos que te beijo.
E deseja-o,
Deseja-o na tua voz arfada
Presa a mim na madrugada
De que sou ausente.
E cala-o,
Cala-o quando te magoar
Que o silêncio há-de gritar…
Há-de gritá-lo!

E se já nenhum de nós o ouvir…
Saímos,
Na hora de sair.
Foto: David Rapoport

Azul irreal



Deste-me um pedaço de céu, nele fui mar
Deste-me uma onda, nela fui alva espuma
Deste-me um sopro de brisa… bem devagar
Fiz-me bola, sem sabão, … voada na bruma

Voei no mundo, sem saber onde poisar
Se no azul do céu ou do mar, … parte alguma
Azul igual ao teu não pude encontrar
Nem no céu, nem no mar, ou em parte nenhuma

E como tentei!...Deus! … Como tentei achar!
Corri mares e céus… telas de tinta ideal
Corri a plataforma continental…

Nada desse azul que só consigo lembrar
No silencio, despedido, de teu olhar
Visto do meu, cristalizado de sal...



Foto: Ben Larrabee

Terça-feira, Novembro 08, 2005

A Nossa Janela



Hoje prendi-me na nossa janela
A janela donde víamos o mundo
Hoje, por milésimos de segundo
Senti-te olhar por ela
Senti-te sentada nela
Senti o sol entrar por ela
E devolver-nos num segundo
Todos os olhares sobre o mundo
Que soltámos na nossa janela.


Um poema para alguem tão especial como a vida
A minha querida amiga ZITA


Foto:Oleo S/ Tela moondance
Atiz (© 2005)

Lágrimas de Guerreiro


Há lágrimas que ficam por cair...
Lágrimas…, secas, antes de brotar
Que evitam as faces, o sentir
Daqueles que por nós podem chorar

Não é orgulho que barra o fluir
Ou a “não dor” que lhes prende o ficar
Tão só amor por quem há-de carpir
O fogo do sal que nos quer saltar

São lágrimas de dentro dum só peito
Lágrimas duma dor talvez egoísta
Presas na força do seu próprio leito

E a tal dor, que a essa força subsista,
Dói menos ao impedir, desse jeito,
A dor que, àqueles que amamos, conquista

Foto: Sophie

Escondida do mundo, escondida de Deus. Ou Adhan de um pedaço de pano




Um poema que dedico a todas as mulheres, pedaços de qualquer coisa, que ficam atrás de si próprias.

“Allahu Akbar
Deus é Maior !
Allahu Akbar
Deus é o Maior !
Allahu Akbar
Deus é o Maior !
Allahu Akbar
Deus é o Maior !”

Que Deus tão grande é esse que te tapa o rosto?
Que homens de Deus são esses que te negam a identidade?
Que lágrimas escondes?
Que rugas te sulcam o rosto?
Que se pode ler nelas?
Que te esconde do mundo?
Que expressões fazes?
Como mostras o desagrado?
Ou um simples sorriso…?

“Ach hadu an la ilaha ill- Allah
Testemunho de que não há outra divindade além de Deus
Ach hadu an la ilaha ill- Allah
Testemunho de que não há outra divindade além de Deus”

Mãe, como te encontro na multidão?
Mãe, tu és a minha deusa na terra
E não te encontro…
És um pedaço de pano
Entre outros pedaços de pano
Todos iguais
Todos sem rosto!...
Pedaços de pano não sorriem
Não mostram indignação…
Como posso ver em teu rosto
O que te vai no coração?...

“Haiyá alas-salat
Vinde para a Oração
Haiyá alas-salat
Vinde para a Oração
Haiyá alal-falah
Vinde para a salvação
Haiyá alal-falah
Vinde para a salvação”

Onde estavas mulher que não te vi?
Porque te escondes do mundo?
Como te posso salvar se te não vejo?
Chamei-te à oração.
Vieste!
Mas não te vi.
Quero salvar-te mas não sei quem és…
Descobre-te,
É o teu Deus quem manda!
Quero ver-te sorrir,
Chorar,
Sentir,
Amar…
Não te quero prisioneira,
Porque sou liberdade.
Não te quero na escuridão,
Porque sou luz.
Não te quero vendada,
Porque sou olhar.
Não te quero ausente
Dum mundo que construí
Também
Para ti…

Foto: Carstanova (mummy)

Segunda-feira, Novembro 07, 2005

Esperança


A esperança é o sonho de braços abertos,
Finjo que já não creio e continuo à espera
É surdez que ainda ouve os teus passos certos
Nos sós caminhos em que a ilusão se esmera

A esperança são sonhos mantidos despertos
Resultados crentes pela via da quimera
Ideais longínquos e tantas vezes desertos,
Onde já só resta um oásis de primavera…

Eis-me em sonhos fechados de braços em par
Abertos na crença que, feita onda, és mar
Onde navego na rota em que inda te espero

Isto é que é a Esperança, é um cabo de mar...
Onde nem o sonho de que sempre te quero
Crê, nos remos contra tal vento severo…



Aceitando o desafio de Palavras em linha, estou em concurso no Escritor Famoso

Domingo, Novembro 06, 2005

Meu Amor, sem medidas...

( breve explicação métrica que dedico com carinho e métrica a "Palavras em Linha" )

Não, não guilhotino minhas emoções
Deixo-as livres, sem sílabas contadas
Musica própria, sem mais grilhões,
Que breves soluços, notas pautadas

A voz vil da dor não chora em padrões
As lágrimas não podem ser caladas
Nem posso fechar minhas ilusões
Em grades frias, palavras cortadas…

Meu coração nunca grita em medidas
Nem minha voz tem palavras contidas
Em ritmos calculados de vil dor

Não conto lágrimas às escondidas
Apenas choro sem um contador
Com imperfeitas palavras d’amor...


Foto: Anita Andrzejewska

Saudades! Sim... talvez... e porque não?...




“Saudades! Sim... talvez... e porque não?...”
Indignada, a poetisa, no sonho alto e forte.
E também eu senti saudades, neste serão
Onde o teu silêncio foi ausência e morte

Saudades! Sim…Talvez… pois então
Se só em tua voz jaz fria minha sorte
E meu fado, meus olhos e meu coração
Sem que tua voz ou fado se importe

Onde estás? Neste noite silenciosa…
Noutros braços? Noutras afectividades?
Responde! Que morro em ansiedades

E és só silêncio de noites tenebrosas
E morro nas mortes frias dolorosas
Duma ausência tua… sem saudades…

Foto: Terry D. Lee

Sábado, Novembro 05, 2005

Estátuas mudas



Estátuas mudas em multidão
Polidas, trabalhadas
Quase jóias de filigrana
Polidas, trabalhadas

Estátuas esquecidas
Que são feitas da mesma pedra,
Que pisam,
Das calçadas
Polidas, trabalhadas…

Estátuas escondidas
De todas as estátuas –
– Polidas, trabalhadas –
– Que as rodeiam,
Esquecidas
De que são feitas da mesma pedra
De todas as outras estátuas
Polidas, trabalhadas…

Estátuas isoladas
De todas as outras estátuas
Polidas, trabalhadas.
Suportes do mesmo pedestal
Lembrando o rochedo
Donde foram lavradas
E que preferem esquecer
Porque agora são
Polidas, trabalhadas

Eu sou rochedo
No cume da montanha
Não polido ou trabalhado
Durante o dia converso com os pássaros
Durante a noite falo às estrelas
No ocaso digo adeus ao pôr-do-sol
E sorrio às flores no orvalho da manhã.
Abraço todos os outros rochedos
Não polidos ou trabalhados
Do topo das outras montanhas
Sou esculpido
Pela chuva, pelo vento
Pelo sol, pelo tempo
Não sou polido ou trabalhado…
Nem mudo…

Foto: Linz Pflasterspektakel

Sexta-feira, Novembro 04, 2005

Aos poucos...



As tuas palavras
Tomam-me conta da boca
E eu poderia beijá-las
Como uma mãe beija um filho
Acabado de nascer,
Ensanguentado,
Sem nojo,
Porque é seu.

As tuas palavras também são minhas
E posso beijá-las
Com aquela vontade tão forte
Como quem dá o mundo,
Num beijo.

Poderia arrancá-las dos teus lábios
Com os meus.
Poderia respirá-las
Com os meus pulmões,
E soltá-las aos poucos
Para as poder ouvir
Sempre que quisesse…
Bastando-me expirá-las
Aos poucos…

E até podia devolver-tas
Em cada beijo
Aos poucos…



Foto:Linz Pflasterspektakel

Não! Diz talvez


Não, não voltes a dizer “não”
Sabes que tanto me magoa
Escolhe outra palavra, então
Que diga talvez… “talvez”
Mas que não me doa…

Não, não voltes a calar-te
O teu silêncio nega a ilusão
De que vais dizer “ talvez”
Pelo menos uma vez
(Que dirá ”sim” no meu coração)

Não, não me vires as costas
Volta-te para mim e sorri
Será que não vês?
O quanto gosto de ti?
Que o teu não, em mim, dor se fez?

Aceita… aceita-me o calor,
Ainda que breve, da minha mão
Para que o teu “não” seja um “sim”
Ou um “talvez”… e não dor!
E o teu silêncio fale, com amor,
Das saudades que teve de mim.

Foto: Anita Andrzejewska

Correntes de Mar



Guardo no peito a imensidão em que és mar
E todo esse azul é pouco, junto-lhe o céu
No ponto preciso em que um no outro tocar
Mas és mais imensidão, e eu somente ilhéu

Guardo na voz embargos, incapaz de os evitar,
Nós duma garganta seca, de lágrimas mausoléu,
Que me prendem nas partidas, correntes de pesar,
Em condenações inevitáveis onde me julgo réu

Se, um dia, de meu coração todo o azul se abrir
Inundações de mar e céu em torrentes de sentir
Assolarão o vale do meu silêncio engasgado

Navegarás anos nos anos que ao azul falta cumprir
E verás o tempo que não nadaste a meu lado
Num desejo azul tão azul que é quase pecado…



Foto: Seaman ( ignora-se o autor )

Quinta-feira, Novembro 03, 2005

Pena de Vida




Quando partes cresces na sombra marcada,
Todo o meu receio de não te chegar aumenta,
Assumes o tamanho duma lua sangrenta
Que em todo o luar se impõe, ensanguentada

Recolho-me no papel e na pena penada.
E as penas que meu peito já não aguenta,
Em toda a solidão que apenas experimenta,
Solto-as pela pena de penas cansada

Entre a dor de partires e o medo de chegares
Esmago suspiros de ansiedade contida.
Todas as penas são pena de não regressares

Nos olhos carrego o negro da pena sentida
Com que escrevo “nós” em versos singulares.
Condenado à morte,...és minha pena de vida...



Foto: Aaron

DE PROFUNDIS - PENA DE VIDA




Este blog assume, desde hoje, uma nova etapa, vivendo um novo canto.
DE PROFUNDIS, das profundezas, virão novos sentimentos ou, talvez, uma nova forma de os expressar.
A escrita, a pena, é a minha PENA DE VIDA à qual fui condenado até que todas as minhas penas e dores se expurguem sem pena nem dó.
O resultado? Dir-me-ão vocês quais os resultados, como sempre fizeram nos generosos comentários com que me foram e irão prendando.
Um abraço aos velhos amigos, um abraço aos que forem chegando...



FOTO: Andrew Davidhazy ( ADAPTADA )